No novo paradigma digital os professores serão também mentores de negócios? Nos últimos dois anos, o modo de vida de toda a humanidade teve de se adaptar à convivência com a pandemia da Covid-19. Atividades que antes eram predominantemente presenciais, como aulas, consultas médicas, trabalho, tiveram que ser realizadas a partir das próprias residências, que por isso transformaram-se, em grande medida, em verdadeiros escritórios virtuais. Esse isolamento físico despertou questionamentos sobre em que atividades a proximidade física não agrega resultados consideráveis.
Dentre os ambientes tradicionalmente presenciais, a sala de aula é, junto com a igreja e o exército, uma das mais antigas e tradicionais formas organizacionais. Se alguém pudesse viajar no tempo desde a Idade Média até hoje perceberia que muitas salas ainda têm o mesmo formato: um professor em pé, detentor do conhecimento, e alunos sentados em atitude receptiva, em alguns locais ainda com fileiras de carteiras simetricamente dispostas.
Em muitos sítios ainda se ouve a expressão: aquele professor tem conhecimento, só não sabe transmitir. Essa frase atesta exatamente a distância histórica entre docentes e discentes, quando na verdade, a sala de aula deveria ser (e felizmente já é em muitos locais) um local de construção mútua de conhecimento.
A evolução das atividades letivas foi fortemente influenciada pela Internet e a comunicação em rede, o que transformou as pessoas em permanentemente conectadas.
O aluno que se senta hoje em uma sala de aula está ligado a todo conhecimento que sua compreensão e seus costumes permitem acessar. Em princípio, professores, coordenadores e diretores proibiam a utilização dos telefones celulares na salas de aulas. Com o tempo perceberam que essa não seria a medida mais adequada, e começaram a refletir sobre metodologias ativas, incluindo as ferramentas informáticas no processo de ensino-aprendizagem.
Por outro lado, nas atividades didáticas complementares ao ensino formal e não vinculadas à hierarquia acadêmica, como cursos técnicos de curta duração, principalmente voltados ao empreendedorismo e emprego, o papel do professor tradicional vem sendo substituído pelo facilitador de aprendizagem, reduzindo aquela distância entre professor e aluno. Um conceito antigo, mas recentemente adotado, a mentoria, enfoca a auto-reflexão como uma ferramenta de aprendizado.
Voltando aos efeitos do isolamento provocado pela pandemia, a auto-reflexão volta a ganhar força. A grande vantagem do aprendizado virtual é de que cada um pode trabalhar na sua própria velocidade e capacidade de compreensão, apenas conduzido à distância pelos professores ou mentores. Por outro lado, a baixa interação com professores e colegas de classe torna limita a capacidade de desenvolvimento.
A melhor solução para o aprendizado teórico e prático seria então uma mescla de ensino e mentoria, principalmente com a utilização dos equipamentos eletrônicos como suporte. Os professores, no novo paradigma de aprendizagem e trabalho que já se está estabelecendo, deverão utilizar metodologias ativas de aprendizagem, ou limitarão seus ambientes de trabalho a espaços aborrecidos, com alunos desmotivados ou ausentes.
A transformação digital é um processo necessário para a sobrevivência no novo paradigma, não apenas educacional, mas em todas atividades do cotidiano. No mundo digital, professores e mentores têm o desafio de incorporar o digital no maneira de desenvolver o aprendizado, de “aprender a aprender digitalmente”. Cada pessoa é resultado das interações que tem com o mundo durante sua vida, por isso é única, e tem de ser compreendida para que os processos de ensino-aprendizagem tenham êxito.
Esta constatação significa que não deveremos mais ter aquelas salas de aula lotadas de alunos, como ainda vemos em algumas instituições de ensino?
Na verdade, sempre haverá conceitos comuns que poderão ser trabalhados em momentos com grande público, principalmente por conta do potencial de aprendizagem que proporciona a interação e a percepção de muitas experiências de vida diferentes sobre um mesmo tema.
Caberá aos responsáveis pelos programas de ensino provocar as interações, potencializando a construção do aprendizado coletivo, e despertando os participantes para a construção das formas digitais de pensar e compreender, também conhecidas como “mindsets”, para que as abordagens individuais a seguir tenham maior êxito pela interação de professores, ou mentores, e aprendizes, ou mentorados.
Laércio de Matos Ferreira
Laércio de Matos Ferreira é investigador, em nível de pós-doutoramento, na área de Inovação Territorial junto à Universidade de Aveiro. Possui doutorado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestrado em Gestão pela Universidade Estadual do Ceará. Atualmente é Chief Operating Officer da empresa Consultores-Associados, que apoia empresas lusófonas para internacionalização e comércio exterior junto aos países da União Europeia, via Portugal. É mentor associado à BrasileiroSou, além da Rede MentAll, da Universidade de Aveiro.
Veja quem é Laércio de Matos Ferreira Segue a Consultores Associados Outros Temas de Laércio de Matos Ferreira: #1 Todo empreendedor é inovador? #2 No novo paradigma digital os professores serão também mentores de negócios? |
Tema bastante atual e muito pertinente. Parabéns!